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Sobre o dia em que me senti realmente decepcionada com você...

Hoje, não sei se por extinto materno, não sei se por uma sugestão da sua professora que me aconselhou a dar “batidas” periódicas em sua mochila, antes de você ir pra escola, dei uma geral na sua mochila...

(Suspiro profundo)

 ... Encontrei outra bolsa (pequena e de passeio) 10 reais, uma blusa de passeio preta, chaves de casa e um bilhete (com a sua letra) combinando tudo. Você e mais quatro colegas matariam aula. Assim que descessem da van, sem se quer entrar na escola, iriam primeiro para a Praça da Assembleia e depois para o Shopping Diamond Mall. O bilhete mais parecia um planejamento estratégico: “Matar aula. Sem blusa da escola. Lanche-Dinheiro. Diamond Mall e Praça. Não ser pega.”.

Tirei tudo de dentro da sua mochila. Pedi o nome de todas as envolvidas e anotei na mão mesmo. Dei um sermão e ameacei uma surra. A van buzinou lá fora. Disse o quanto aquilo era perigoso, quanta gente ruim tem no mundo, que eu poderia te achar morta em uma vala. Perguntei se pretendia continuar com o plano. Você olhou no meu olho (e quando me lembro disso me dá muito ódio. Sério) e disse com a carinha mais arrependida que existe, que não iria mais fazer isso. Dei beijo, abençoei, e te coloquei na van, acreditando que realmente não faria.

Continuei me arrumando para o trabalho. Esperei dar 7hs para ligar na escola e avisar sobre as outras garotas, afinal, se algo acontecesse com elas, eu seria a culpada. Dando o horário liguei, expliquei tudo que havia acontecido, expliquei minha preocupação com as outras, dei os nomes e, ingenuamente, pedi a pessoa que atendeu, que se não me engano era o porteiro, que a procurasse na sala e conversasse com você para confirmasse os nomes.

Nem dez minutos depois me liga a diretora da escola: “- Você é a mãe da Lara? –Sim. Isso mesmo. – Você ligou aqui e passou uns nomes de meninas que matariam aula? – Sim. Passei. – Você mandou a Lara pra escola? (Neste momento, com certeza, meu coração parou por alguns instantes de bater) – Sim! Mandei! Porque? (Já em desespero) – Pois não encontramos ela e nenhuma das outras em qualquer parte da escola!”. Nesse momento disparou uma descarga tão grande de adrenalina no meu corpo que pensei que teria um infarto.

Respirei fundo. Mantive-me ereta. Combinei comigo mesma de não surtar pois providências deveriam ser tomadas. A diretora me disse que ligaria pra polícia para procurá-las. Disse pra ela os locais prováveis e ela me ligaria com novidades. Liguei pro seu pai. Combinamos dele passar aqui de moto, pois iríamos também fazer uma busca na região. Não iria aguentar ficar em casa esperando notícias. Precisava fazer algo. O que passou pela minha cabeça: Pensei que você tinha fugido de casa, pois eu já havia tirado tudo da sua bolsa e talvez, no medo de uma represália maior, preferiu fugir. Sei lá. Não tava pensando direito. Só conseguia imaginar minha vida sem você, te procurando sem fim, o risco de achar seu corpo jogado no mato, ai! Andava de um lado pro outro esperando seu pai chegar.

Tive exatamente 60 minutos para sofrer. Exatamente as 8:09hs a diretora me ligou dizendo que a polícia havia encontrado você e mais uma na Praça, e que vendo o carro de polícia, as outras três meninas “apareceram” na porta da escola. Daí passou de desespero para raiva. Ela pediu que eu e seu pai fossemos até a escola, que ela queria conversar conosco. Iria de qualquer maneira, tinha uma vontade urgente de sentar a mão na sua cara.

Chegando a escola encontrei todas, exceto você, sentadas amuadinhas no sofá da diretoria. Você não demonstrava nenhum arrependimento, nenhuma culpa, nenhum medo, nenhuma surpresa, nenhuma lágrima, nada. Não te bati. Mas sentamos os quatro à mesa e começou a sabatina. Eu e a diretora espumando de ódio. Você calada e com ar blasé. Seu pai com raiva, mas calado, só observando.

Estou com tanta, mas tanta raiva de você... E decepcionada. E me sentindo fracassada quanto a educação que pensei estar te dando. Estou me sentindo pesada, destruída, fraca, com muita raiva também. Saímos os três juntos e eu não conseguia olhar pra sua cara. Sinto-me culpada por sentir isso, mas não consigo evitar. Mesmo assim você ficou comigo, te levei para o meu trabalho. Fiquei observando você dormindo no sofá enrolada no meu casaco, e ficava pensando como pode uma pessoa tão pequena, bonita, inteligente, ser dissimulada dessa maneira.

Lá, enquanto nos reunimos, descobri que você era a líder, que você praticamente aliciou as outras, que por acaso são mais velhas e maiores que você. Descobri que você usou sua inteligência e beleza pro mal. Dissimulada. Fiquei em pânico. De verdade. A coordenadora da escola integrada te suspendeu por uma semana, mas não importa, de qualquer maneira você não vai mais pra Integrada. Combinei com sua Tia e ela vai ficar com você na parte da manhã, e de lá você vai pra escola.

Se faz necessário e urgente separar essa “quadrilha”. Vou conversar com alguém, pedir uma indicação para uma terapia, pois vou usar todas as armas que disponho contra essa pessoa que você esta se tornando. Quero que você esteja bem ciente de tudo que me causou e ainda causará. O desgaste emocional, o dinheiro a mais que terei que dispor para passagens, terapia e afins, toda a nossa rotina que estava tão bem arranjada e agora, bruscamente, terá que mudar.

Preciso que você entenda o seguinte: O problema não foi matar aula. Todo mundo já matou aula algum dia. Acontece. O que realmente me decepcionou foi o fato de você se mostrar dissimulada, de não demonstrar nenhum arrependimento, de ter se mostrado absolutamente fria. Isso me assustou muito. Muito mesmo! Ainda estou com muita, mas muita raiva de você. Porém eu te amo. Independente de decepção, de raiva ou de qualquer sentimento ruim que tenha me provocado. Não quero que seja essa pessoa fria e manipuladora. Não quero que use seus dons para o mal. Quero que seja uma pessoa bacana, amada e amável. Por favor, minha filha, não se torne uma pessoa ruim!

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